Balanço da série 50-25-74, a necessidade de afirmar Abril e os episódios que eram para ter sido e não foram
Mete cerveja, balanços e reflexão sobre se faz sentido separar política e futebol. E há os episódios que ficaram na gaveta, entre Olhanense, Tomar e Espinho ou Vítor Gonçalves.
Se achas que faz sentido separar política e futebol não leias isto que ainda apanhas uma carga de nervos. Ou então lê só o primeiro parágrafo que é sobre cerveja e é capaz de ter piada. Mas depois cautela.
O Francisco José Viegas tem um livro chamado 99 Cervejas +1 onde faz uma seleção das cervejas que mais apreciou. Na altura do lançamento, e façam atenção que isto foi há um horror de anos, vou arriscar há uns 20 anos à vontade, portanto poderá não ter sido exatamente assim mas não há-de ter fugido muito disto, escutei-o num programa de rádio a justificar o título com: 99 cervejas foram saboreadas de forma justa e em igualdade de circunstâncias. E depois a +1 por ter sido consumida após uma larga subida a pé, debaixo de um calor tórrido, e ao chegar ao destino pediu uma cerveja num café que lhe pareceu ter sido a mais saborosa que já havia bebido na vida. Mas não era. Ou talvez até fosse. Mas havia ali uma adulteração nas condições de prova. Eu por exemplo ainda digo que a melhor cerveja do mundo é a Cruzcampo. Mas antes de me colocar a jeito de levar duas bofetadas de um espanhol acrescento: “mas atenção que bebi em Sevilha, no verão, estavam tipo 45 graus e eu tinha acabado de percorrer a cidade a pé”. Serve isto para quê? Bem vistas as coisas para nada, mas agora que já aqui estamos pode servir para justificar este título 9 episódios +1.
Dá-se por encerrada a série 50-25-74. Feita de 9 episódios +1. Neles conheci Capitães e locais de Abril. Dirigentes, ex-atletas e adeptos. Visitei coletividades. Escutei sobre clubes e bairros. Histórias com Zeca Afonso e José Mário Branco. Aprendi e diverti-me que é o que se leva disto. A tarefa de realizar cada episódio deste podcast desde o seu início dava em si mesmo uma história. A partir daquele primeiro momento em que surge a ideia do tema, até às tentativa de contato e a eventual recusa (ou o silêncio, acontece mais o silêncio) na resposta à solicitação. O procurar outro ângulo, outro convidado. Entrar no carro e percorrer quilómetros porque não faz sentido levar a cabo o episódio sem se mergulhar na cidade e estar olhos nos olhos com as pessoas.
E foi assim que pisei a Parada Chaimite onde Salgueiro Maia falou aos soldados naquela noite. Que estive na mesma sala onde Zeca Afonso cantou na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Ou que em Almada entrei na Biblioteca cuja secção infantil servia para esconder livros proibidos no antigo regime e visitei a sala onde Humberto Delgado discursou. Que baralhei o GPS na Pontinha à procura de um estádio que já não existe.
No arranque desta ideia de episódios comemorativos dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, houve quem dissesse “se te vais meter em política podes perder ouvintes”. O que é curioso a vários níveis. Desde logo o de achar que em quase dois anos de Tó Madeira ainda exista quem não tenha percebido “o rumo que aqui se leva”. Depois essa ideia de que o 25 de Abril é “meter-se em política”. E por fim o chavão do “política fora do futebol” como se tudo o que acontece no futebol não fosse consequência de visões políticas. Que é diferente de político-partidárias, entenda-se. Por exemplo, nesta série, parece evidente que o Clube Atlético e Cultural (ep.19) ficar sem campo foi consequência de uma visão política. Que a necessidade de proteção do associativismo de que fala o presidente da Associação de Futebol de Santarém (ep.21), materializada no case-study do Vitória de Santarém, segundo emblema a nível nacional com mais atletas inscritos no Futsal, é também uma aposta política. Ou que ao fim (e posterior ressurreição) de um clube fundador do futebol em Setúbal (ep.22) não foi alheia a prisão e perseguição de dirigentes e figuras notáveis do bairro onde se inseriam. Que alguém possa achar que a dificuldade de um clube do Alentejo recrutar ou manter atletas na região (ep.23) não tem relação com “política”. Ou que os limites à liberdade de expressão de adeptos, ou os entraves à forma como podem viver o futebol na bancada (ep.26), não sejam consequência de decisões políticas. Ou até a calamidade das Sociedades Desportivas (ep.27) que são, desde a sua génese até à atualidade, uma criação política.
Mas pode fugir-se desta série e alargar aos assuntos da ordem do dia. Na hora a que é escrito este texto chovem críticas ao funcionamento da Taça da Liga. Desde a prova beneficiar apenas os poderosos e deixar de fora da hipótese de competição os que menos recursos possuem, passando pela ponderação, entretanto excluída, de disputar a Final Four no estrangeiro porque o dinheiro é quem fala mais alto. Estou a ser demasiado óbvio?
O pós-Abril alimentava o desejo de uma sociedade menos desigual, mais participada, democrática, livre e solidária. Poderá existir quem em 2024 frequente estádios deste país, acompanhe o pontapé na bola cá do burgo, e não sonhe com um futebol menos desigual, mais participado, democrático, livre e solidário?
Foi uma série de episódios comemorativos de Abril também (mas não só) porque o futebol precisa de Abril. Ou precisa que lhe recordem de Abril. Não perceber que há “política” nisto é um engodo. Como aquele slogan do “se não estás revoltado é porque andas distraído”. Mas o que sei eu sobre isto? Sou um tipo que acha que a Cruzcampo é a melhor cerveja do mundo.
Três que queria ter feito e ficaram por fazer
Por diferentes razões, que o limite de caracteres não permite explicar, houve episódios que estavam em agenda e não foi possível realizar. Por enquanto. A eles voltarei. Mas como encaixariam na série 50-25-74 não quero arquivar a coisa sem a eles fazer referência. Em traços gerais.
O Olhanense 1974/75. Escrevia o jornal A Bola “num país novo, um campeonato novo” em Setembro de 1974, naquele que era o primeiro Campeonato Nacional pós-Abril. O Olhanense abria a época a ganhar ao Sporting, feito até então nunca antes registado na história do clube. Mas não se ficou por aí. Na jornada seguinte, a segunda, foi empatar à Luz com o Benfica 2-2. Pouco depois, nova surpresa ao despachar o Boavista de José Maria Pedroto por 3-1. Mas o curioso nisto, é que o Olhanense acaba…..a descer de divisão. Na investigação feita para este episódio, que era para ter sido e não foi, encontrou-se uma explicação para o fracasso após tão prometedor arranque: a defesa. O Olhanense sofreu 70 golos em 30 jogos. Em contrapartida, marcou 41 golos. Neste plano, um jogador destacou-se em particular: Ademir.
O União de Tomar – Espinho. Realizou-se a 23 de Junho de 1974, em Coimbra, a final do Campeonato Nacional da II Divisão. O União de Tomar venceu o Espinho por 4-3 e sagrou-se campeão num encontro onde rezam as crónicas estiveram animadas as bancadas com muitos adeptos de um e outro lado. Nos marcadores bisaram Bolota (para o União de Tomar) e Telé (para o Espinho). O árbitro Adelino Antunes disse “da forma como decorreu o jogo, quem ganhou foi o futebol”. Faz falta falar e ouvir falar de jogos destes. A ele voltarei.
O Vasco Gonçalves pai. Vasco Gonçalves integrou o Movimento das Forças Armadas, colaborando na redação do programa do mesmo, e foi primeiro-ministro no segundo, terceiro, quarto e quinto governos provisórios. Que é mais ou menos do conhecimento geral. O que não é tão comum saber-se é que foi filho de um destacado futebolista. Vítor Gonçalves foi um dos elementos fundadores do Casa Pia, primeiro presidente do Conselho Fiscal do clube para o qual se transferiu depois do seu colega no Benfica, Cândido de Oliveira, ter abandonado as águias para fundar os gansos. Foi ainda internacional português nos dois primeiros jogos da Seleção Nacional, em 1921 e 1922, ambos com a Espanha. Era médio-centro.
Excelente trabalho, Edgar. Parabéns!