React ao CNN Summit - A Sustentabilidade no Futebol Português
Méquié meus putos, o Tó Madeira vai fazer um react, ativem o sininho. Mete um painel sobre "o que querem os adeptos" em que vai-se a ver e os convidados são das apostas desportivas e do streaming.
Então o que se passou foi o seguinte, houve uma conferência da CNN subordinada ao tema da sustentabilidade no futebol português. Está disponível no site da CNN Portugal, dividida em diversos vídeos correspondentes a diferentes painéis. Como eu encontrava-me ali numa situação em que dispunha de tempo a mais decidi assistir. Na generosidade, trago-vos as boas novas. Vamos lá.
Proença, o liberal
Começou muito bem e de forma muito franca. Os primeiros 2 minutos e 30 segundos * foram com o jornalista Anselmo Crespo a perguntar “está a ouvir-nos, Pedro Proença” e do outro lado só a cara dele sem expressão. E o Anselmo Crespo a insistir: “talvez agora já seja possível escutar-nos, Pedro Proença, consegue escutar-nos”? Fiquei na dúvida sobre se seria uma pegadinha do jornalista, como uma encenação em jeito de metáfora para a relação dos adeptos com os poderes do futebol nacional, mas não era. O presidente da Federação, que curiosamente a dada altura falou tanto do futebol profissional que julguei que estava ainda baralhado nas funções do seu antigo cargo, não conseguiu estar presente fisicamente então juntou-se à distância. O que complica a comunicação. A distância. Perderam uma oportunidade de aproveitar o momento simbólico para irem logo ali todos para casa pensar na situação.
* Entretanto fui espreitar e essa parte já não se encontra, o vídeo terá eventualmente sido editado.
Por volta dos 18 minutos, afirma: “eu sou um liberal”, enquanto manifesta a sua crença “no mercado”. Fala de acreditar “no mercado” mais umas cinco vezes nos três minutos seguintes. Guardem esta confissão sobre liberalismo porque vai ser útil lá mais para a frente para se entender a que género de pensamento está entregue o desenho do progresso do futebol português. Relacionado com isto, ou talvez não, também pelo meio introduziu a expressão “betting” no capítulo das receitas, o que eu estou em crer que possa ser uma nova abordagem a vestir calça bege e camisa azul, mas não vou agora jurar que seja isso.
Pelos 28 minutos o jornalista recorre “a uma expressão que se dizia no tempo da Troika”, para introduzir a questão: “clubes que gastam mais do que o que podem”. Ora, regresso aqui à importância da confissão de correntes políticas para alertar para uma situação. É que no tempo da Troika escutou-se de facto essa frase. Mas era falsa. O desastre financeiro foi causado pelo sistema financeiro, pelos mercados, pela ganância e o culto do individualismo levado ao extremo que arrastou o mundo consigo. Mas a páginas tantas, alguém se lembrou que era chato que a coisa ficasse perpetuada dessa forma e então a narrativa passou a ser, de forma extraordinária diga-se, que a culpa era dos países do sul no geral e dos seus povos em particular, que gastavam mais do que o que tinham e que até comiam bifes todos os dias. E portanto era preciso castigá-los e dar-lhes com a austeridade. Para aprenderem. Enquanto isso os verdadeiros causadores da desgraça seguiram a sua vida. É uma lição que podia ser aprendida no futebol, digo eu, quando se aposta “nos mercados” para definir políticas futuras. Bom, mas em relação à questão de os clubes “gastarem mais do que o que têm”, o Proença responde da seguinte forma. Estão preparados? Então cá vai:
“eu tinha uma máxima que dizia quando era Presidente da Liga que era, não está no futebol profissional quem quer, está quem pode e sabe gerir as suas obrigações”.
AhahahahahahahahahAhahahahahahahahahahAhahahahahahahah. Desculpem.
Reinaldo Teixeira, o negacionista
Estão fartos de um futebol português onde nunca se sabe bem quem sobe e quem desce? Porque um subiu mas depois aconteceu não sei o quê e afinal depois de todos os festejos quem sobe é outro? E de clubes que não jogam no seu estádio porque há tourada com o licenciamento e vão jogar em outro, também estão fartos? Pois tenho boas notícias! Pelo que entendo, a aposta é em manter isso e quem sabe piorar um bocadinho.
Diz sensivelmente por volta dos 24 minutos o atual presidente da Liga, Reinaldo Teixeira, quando traçava o cenário sobre o projeto de num futuro próximo obrigar todos os clubes do futebol profissional não só a terem estádios com determinadas características como igualmente obrigar a que todos os clubes tenham um centro de treinos:
“conseguiu por mérito desportivo estar na Liga, muito bem, depois vai-se ver se tem centro de treinos, se não tiver esse clube não vem, vem o seguinte que possa ter, e assim sucessivamente”.
Há aqui um potencial enorme de isto ser tudo muito divertido. Olhe, sou de Vila Real, posso apresentar como estádio Rio Maior e como centro de treinos Ponte de Sôr? Então é isso, faz favor, pode ser assim. Certamente, está licenciado, isto connosco é rigor nas infra-estruturas.
Sensivelmente a partir dos 17 minutos dá-se um caso fascinante. Perante uma pergunta do Anselmo Crespo, que julgava eu ser mais ou menos consensual e não existir ninguém que a conseguisse colocar em causa, que é a do falhanço na escolha dos Estádios do Euro 2004 como “lição” para evitar erros futuros, o presidente da Liga coloca em causa que os Estádios do Euro 2004 sejam um falhanço. E pergunta “mas diga lá em qual desses Estádios é que não se joga futebol”? E o Anselmo Crespo parece ficar ali meio incrédulo e diz Aveiro, ao que é interrompido por Reinaldo Teixeira: “está bem, Aveiro, mas e que mais”? Algarve, responde, para ser novamente confrontado. Porque “Algarve tem uma óptima taxa de ocupação”, sustenta. “Joga lá Gibraltar, por exemplo”, afirma o presidente da Liga. Já tinha visto muita coisa, mas um negacionista do falhanço dos Estádios do Euro 2004 ainda não tinha conhecido.
Também não tinha conhecido um negacionista da pouca competitividade do futebol português a nível internacional. Porque o Anselmo Crespo diz que “temos quatro ou cinco clubes” a tentar vingar nas provas europeias e é outra vez interrompido, desta feita por uma expressão facial que o leva a perguntar: “mas então, há mais”? E escuta como resposta: “este ano tivemos também o Santa Clara”. Ora, registe-se que esta conversa teve lugar uma semana depois de o Santa Clara ter sido eliminado do playoff da Liga Conferência pelo Shamrock Rovers, da Irlanda.
Pedro Brinca, o indignado
O Pedro Brinca tem uma expressão e uma forma de estar que parece permanentemente a de quem no restaurante pediu meia dose há 20 minutos e ainda não chegou e houve pessoas que se sentaram depois e já foram servidas. É apresentado como economista mas foi também, acrescente-se, o cabeça de lista da Iniciativa Liberal por Coimbra nas Legislativas. Não sei se estão a fazer dois mais dois com aquilo que escrevi lá em cima. E por acaso acabei por não incluir aqui nas declarações do Reinaldo Teixeira que a dada altura faz uma observação sobre impostos que parece que também coiso. Noto um padrão nestas mentes pensantes do futebol português. Mas para o que interessa, vou começar por destacar neste painel o Luís Sobral.
Eu assistia de boa vontade a uma conferência inteira sobre o futebol português que fosse só com o Luís Sobral. Desde logo porque começa a sua intervenção a afirmar: “eu não sou especialista em nada”, o que é maravilhoso no meio de tantos experts em coisas várias. Mas sobretudo porque depois de eu ter assistido a não sei quantos minutos sobre produtos e pacotes, drivers disto e daquilo, cross sales para cá e acolá, consigo escutar como resposta à pergunta sobre se “o produto é bom”?
- “Tens de ter um produto primeiro e eu não acho que tenhas um produto hoje”.
Pronto, obrigado, foi tudo, podemos ir para casa.
Mas a coisa prosseguiu. E o Pedro Brinca entrou em campo como um daqueles personagens do famoso vídeo da música “Salvem os ricos, ajudem os milionários”. É que o Pedro Brinca alerta que se os clubes que designa de “grandes” tiverem de dividir o dinheiro com os que apelida de “pequenos” o futebol português “vai transformar-se numa Albânia”. A dada altura chega mesmo a exclamar, arrisco a dizer que quase em pânico, “vamos estar a tirar aos grandes para dar aos pequenos”! Foi o momento em que eu tive de confirmar se era uma cimeira sobre futebol porque, na verdade, dá ideia que podia ter feito aquela afirmação meio assustada fosse o tema qual fosse.
O adepto, 1X2
E eis que chegamos a um painel chamado “o que querem os adeptos”. E eu todo contente, finalmente, vamos lá falar do que pensa o pessoal da bancada. Nesse sentido, os convidados foram Ricardo Domingues, presidente da Associação das Apostas Desportivas e Ricardo Carbonero, diretor da Prime Video Spain & Portugal. No fundo, sinto que todo este react podia ser só isto. Pessoal, houve uma conferência e entre os temas estava um painel sobre “o que querem os adeptos”. Os convidados eram um indivíduo das apostas e outro do streaming. Não foi dito nada que eu entenda relevante partilhar no que concerne ao que considero serem as preocupações dos adeptos. Embora a conversa com o Ricardo Carbonero tenha sido conduzida em inglês e ele é espanhol, portanto sucedeu aquilo de um espanhol a falar inglês e de maneiras que entendo não ser preciso alongar-me mais no sucedido. Acredito, contudo, que a ideia talvez fosse bem intencionada mas que houve um erro na impressão do tópico a debate. Eventualmente seria “o que querem os espetadores”. Não os adeptos. Pode parecer a mesma coisa mas não é. Gastava agora muitas linhas a explicar-vos.
Diogo Luís, o das perguntas de desenvolvimento
O painel moderado pelo comentador Diogo Luís, da CNN Portugal, foi muito divertido porque deu origem a um dos meus acontecimentos favoritos neste género de eventos que é quando o moderador fala mais do que os dois convidados juntos. É como se no briefing alguém tivesse dado ao Diogo Luís uma espécie de enunciado de um exame e estivesse lá escrito: “faça a pergunte e de seguida desenvolva e fundamente”. Toda a conversa ficou na verdade resumida ali por volta dos 23 minutos quando Miguel Ribeiro, presidente do Famalicão, atirou: “você conseguiu fazer a pergunta e dar a resposta, mas também esteve três minutos a falar, portanto é normal”. Dos convidados, onde estava igualmente Júlia Almeida, diretora executiva do Casa Pia, não foi possível saber o que pensam, dadas as circunstâncias. Mas fiquei a saber que o Diogo Luís é um feroz defensor da redução do número de clubes na primeira divisão, o que podia ser um excelente tópico para explanar se ele fosse um dos convidados. Mas retive que Miguel Ribeiro afirma aos quatro ventos e orgulhoso: “dinheiro não é problema para nós no Famalicão”. O que me leva a pensar sobre esta coisa dos investidores no futebol, no caso do Famalicão a Quantum Pacific Group, e a relação com a perspetiva do negócio e a ambição competitiva dos adeptos. É que o Famalicão acabou as últimas três temporadas em oitavo, décimo e nono lugares. O estádio tem as condições que conhecemos. Se o dinheiro não é problema é quase irresistível pensar que na verdade o interesse também não é investir nem em infra-estruturas nem em sucesso desportivo, mas sim ficar a meio da tabela e ir fazendo uns negócios. Nada de errado nisso, mas depois não venham dizer que os investidores vieram aumentar a competitividade no futebol português. Se eu fosse o Diogo Luís tinha arriscado em fazer essa pergunta. O que no caso do Diogo Luís seria formular a questão, acrescentando mais seis minutos de fun facts, receitas de bacalhau à Gomes Sá, o melhor caminho para ir de Queluz de Baixo a Barcarena em hora de ponta e o spoiler da última temporada de uma série.
Uma ideia para conferências futuras
Sugiro que a próxima summit deste género possa chamar-se Summit Professor Manuel Sérgio. Onde a audiência comece por escutar um best off de ideias do Professor, disponibilizando-me desde já a fornecer em mp3 o episódio 33 do Tó Madeira: 15 minutos à Manuel Sérgio. Logo de seguida dava-se o arranque, em que existia um painel único dedicado a refletir sobre duas afirmações:
“Hoje para conhecer o futebol é preciso conhecer primeiro a sociedade. O desporto reproduz e multiplica as taras da sociedade e a grande tara da sociedade, ou seja da ditadura do lucro, é a alta competição, onde os homens são coisas porque são objetos de lucro, nada mais do que isso, só mercadoria”, Manuel Sérgio, RTP, Primeira Pessoa, 2023.
“O desporto português dá-nos bem o quadro do sub-desenvolvimento, três ricos e todos os demais pobres. O que Benfica, Sporting e Porto precisam de fazer é lutar contra um estado de coisas que faz deles os únicos ricos e todos os demais pobres”, Manuel Sérgio, RTP Arquivos.
Diogo Luís, podes começar tu. Em directo para a televisão.
A-do-rei 🙂